Quando o Estado decide o valor do seu terreno
A expropriação é uma das formas mais intrusivas da atuação pública sobre a propriedade privada. Quando se verifica, levanta uma questão central, “quanto vale, afinal, aquilo que se perde?”
À primeira vista, a resposta parece simples, “o justo valor de mercado”. No entanto, o processo para determinação dessa compensação é técnico, sensível e quase sempre, objeto de controvérsia.
Quando o interesse público se sobrepõe
De acordo com o Código das Expropriações (CE), o Estado e outras entidades públicas podem expropriar bens privados desde que exista utilidade pública devidamente fundamentada, como por exemplo, para construir uma estrada pública, uma linha de comboio, ampliar uma zona industrial ou instalar uma infraestrutura essencial.
A legislação e o direito impõem que essa expropriação só se possa realizar mediante o pagamento de uma justa indemnização. O artigo 23.º do CE define essa compensação como o valor real e corrente do bem, ou seja, o seu valor de mercado. Mas o modo como esse valor se determina, especialmente no caso dos terrenos com potencial construtivo, está sujeito a critérios específicos.
A regra dos 15% como base legal para terrenos com aptidão construtiva
Nos casos em que não existem transações comparáveis fiáveis (critérios do artigo 26.º, n.º 2), o Código permite recorrer a uma metodologia baseada no custo de construção, definida no n.º 6 do artigo 26.º:
“Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção corresponde a até 15% do custo da construção nele suscetível de se realizar, podendo essa percentagem ser aumentada se justificadamente e em função da localização, qualidade ambiental e equipamentos existentes.”
Ou seja, o valor do solo não é calculado com base no mercado onde se insere, mas como uma percentagem (máxima de 15%) do custo de construção que seria admissível nesse terreno. O que por si só já não faz muito sentido uma vez que é uma função dos custos, e porque não dos proveitos?
Além disso, o legislador admite aumentos justificados dessa percentagem, quando existam fatores como:
- Localização nobre ou central;
- Qualidade urbanística ou ambiental envolvente;
- Existência de infraestruturas como acessos rodoviários, redes de água, esgotos, energia, etc.
Pelo contrário, se houver incertezas quanto à viabilidade do aproveitamento edificativo, o n.º 10 do artigo 26.º prevê a aplicação de um fator de risco (Ir), que pode reduzir o valor.
A margem técnica e o papel dos peritos
Apesar da existência de parâmetros legais, a sua aplicação exige interpretação técnica criteriosa. Um mesmo terreno pode ter avaliações distintas, dependendo da leitura que se faça da sua envolvente, do enquadramento urbanístico, do momento de mercado e, sobretudo, da proporção de construção economicamente viável que nele se possa considerar.
É por isso que o papel dos peritos avaliadores nomeados pelas partes e pelo tribunal, é decisivo. São eles que analisam os instrumentos de gestão territorial, identificam limitações ou potencialidades urbanísticas, estudam as infraestruturas e aplicam os coeficientes previstos no CE com base em fundamentação técnica e documental.
Mesmo dentro do limite dos 15%, pode haver lugar a ajustamentos relevantes que alteram significativamente o valor final. Por exemplo, justificar uma redução de 15% para 5% do custo de construção em função de uma localização menos favorável e infraestrutura incompleta que pode representar decréscimos indemnizatórios muito relevantes.
A justiça da compensação
A expropriação pode ser legal, mas só é legítima se for acompanhada de uma compensação verdadeiramente justa. E justiça, nestes casos, significa mais do que cumprir uma fórmula matemática, implica bom senso, proporcionalidade e rigor técnico.
Exige-se também que o perito tenha a liberdade e responsabilidade de fundamentar ajustamentos aos parâmetros da fórmula sempre que as especificidades do caso o justifiquem em defesa de uma indemnização que, de facto, reflita o valor de mercado.
O terreno expropriado pode representar, para quem o perde, muito mais do que um ativo económico. Pode ser o resultado de décadas de trabalho, o projeto de um investimento futuro, ou o património de uma família.
Uma metodologia e legislação que ignora a realidade do mercado
Apesar das boas intenções do legislador, o modelo assenta numa base metodológica que tende a subvalorizar sistematicamente os terrenos expropriados aptos para construção. A fixação de um teto de 15% sobre o custo de construção ignora, em muitos casos, o valor real de mercado do solo, sobretudo em zonas urbanas, consolidadas ou com procura. A ausência de atualização legal para refletir adequadamente o contexto económico, as expetativas de valorização e as operações comparáveis conduz, com frequência, a indemnizações desajustadas, alimentando litígios e gerando um sentimento de injustiça junto dos expropriados.
Esta abordagem tecnocrática, embora formalmente válida, não assegura, por si só, uma compensação justa, especialmente quando aplicada de forma mecanizada e descontextualizada da atualidade do mercado.
O que pode fazer o cidadão expropriado
Pode e deve exercer a sua atuação com todo a plenitude, para isso pode contestar os valores propostos solicitando perícia arbitral ou judicial, deve reunir documentos relevantes incluindo projetos, pareceres técnicos e histórico de uso do terreno, deve também contratar um perito para elaboração de um relatório técnico fundamentado, sendo que o mesmo pode ser decisivo para garantir uma compensação adequada.